Fanzine – Definição

Por Henrique Magalhães

A origem dos fanzines traz a imprecisão própria às coisas efêmeras e espontâneas, quando não se tem um propósito fundante de um novo tipo de publicação. Para R. C. Nascimento, articulista do fanzine Singular/Plural, o fanzine surgiu na década de 1930, nos Estados Unidos, com as publicações amadoras de ficção científica, no entanto, esta denominação só foi criada em 1941, por Russ Chauvenet. Pensou-se também numa palavra como fanmag, a partir de fan e magazine, que não teve a mesma aceitação[1].

É bem provável que boletins amadores dedicados a essa expressão literária, então considerada como um subgênero, circulassem entre seus fãs mais ardorosos, mesmo com toda a dificuldade de produção e impressão. O boletim também serviria, além do contato interpessoal e da veiculação de notícias, ao exercício de criação de novos autores, alijados do mercado editorial.

Contudo, há certo consenso sobre o pioneirismo de Russ Chauvenet na criação do termo fanzine. Segundo vários blogs e fanzines, em 1940 Chauvenet  foi um dos fundadores do Boston`s the Stranger Club, cujos membros eram convidados de honra da 47th World Science Fiction Convention. Ele foi ainda cofundador da National Fantasy Fan Federation e era membro do primeiro Fandom. Teria sido Russ Chauvenet o criador da palavra fanzine, na edição de outubro de seu boletim Detours. Mais tarde, criaria o termo prozine, para denominar as revistas profissionais que veiculavam histórias de ficção científica. Por muitos anos, Chauvenet foi membro do Fantasy Amateur Press Association (FAPA)[2].

O termo fanzine é um neologismo formado pela contração de fanatic e magazine, do inglês, que significa magazine do fã. Trata-se de uma publicação independente e amadora, quase sempre de pequena tiragem, impressa em mimeógrafo, fotocopiadora, impressora laser ou mesmo em offset. Para sua edição, conta-se com fãs individuais, grupos, associações ou fã-clubes de determinada arte, personagem, personalidade, hobby ou gênero de expressão artística, para um público dirigido, podendo abordar um único tema ou vários.

Criado no meio independente e restrito dos aficionados, o termo fanzine ganhou força e foi incorporado à língua portuguesa, sendo utilizado também em textos jornalísticos. Por outro lado, ainda não é comum encontrá-lo em enciclopédias, dicionários, catálogos e fichários das bibliotecas. Para a grande imprensa, os fanzines são jornais amadores, impressos em fotocópias a partir de uma matriz datilografada e composta artesanalmente, e que, se a princípio tratavam apenas dos ídolos do mundo da música punk e do rock, à medida que se proliferam, ampliam seu leque de temas[3].

O colecionador Fábio Santoro considera os fanzines como veículos livres de qualquer censura. Neles seus autores divulgam o que querem, pois não estão preocupados com grandes tiragens nem com lucro; portanto sem as amarras do mercado editorial e de vendagens crescentes[4].

Uma das características mais importantes dos fanzines é que seus editores se encarregam de todo o processo de produção. Desde a concepção da ideia até a coleta de informações, a diagramação, a composição, a ilustração, a montagem, a paginação, a divulgação, a distribuição e venda, tudo passa pelo domínio do editor. Em muitos casos, até mesmo a impressão é feita pelo editor, que aprende a lidar com o produto jornalístico de uma forma global. O controle de todo o processo editorial, embora exija mais tempo e habilidade, dá ao editor maior liberdade de criação e execução da ideia.

A edição de um fanzine, sem dúvida, é uma atividade muito prazerosa, mas exige também muito trabalho e dedicação. Por este motivo, os fanzines são comumente esporádicos, quase sempre variam o número de páginas e a tiragem, que depende do fluxo e demanda de seu público. Não existem regras para a produção do fanzine; ele depende da disponibilidade de tempo, do material a ser editado, do orçamento e da dedicação do editor.

A falta de periodicidade dos fanzines os torna publicações efêmeras; a maioria deles não consegue estabelecer uma concepção editorial clara que lhe proporcione o fortalecimento e amadurecimento da publicação. Uma das razões para essa inconstância é seu caráter amador, seus editores não sobrevivem da edição. Os fanzines são uma atividade paralela, dentro do pouco tempo livre que lhes sobra. As dificuldades de encontrar novas informações, os custos sempre crescentes e o considerável trabalho que é organizar uma nova edição são também fatores responsáveis pela demora e, não raro, pela extinção de mui­tos fanzines.

A circulação por intermédio de um sistema de troca e venda pela via postal é muito favorável aos fanzines. Por este meio eles cheguem não só a todas as partes do país como também atinjam outros lugares do mundo.

Numa edição de final de ano, Armando Sgarbi, editor do fanzine O Pica-Pau, apresenta uma curiosa inversão do conceito, definindo fanzine como sendo “um magazine personalizado, com as coisas do agrado do editor que, eventualmente altruísta, o divulga entre os amigos (quando a grana dá, coisa rara). O Natal é, desde o ad­vento da comercialização desbragada, um verbete dos mais execráveis, a meu ver, daí que a gente fazendo uma publicação sobre tal assunto só poderia chamá-la de desfanzine (…)”[5].

Muitos termos surgiram derivados de fanzine, em particular nos Estados Unidos da América: Fandom é o nome dado ao conjunto dos fanzines e dos faneditores; faneditor é o sujeito responsável pela edição do fanzine; fanzinoteca passou a ser uma coleção de fanzines. Amazines é como são chamados os fanzines voltados para as histórias em quadrinhos de super-heróis ou terror. Profanzines são as publicações feitas por profissionais de histórias em quadrinhos, parecidas com as revistas especializa­das. Por outro lado, os adzines são os que publicam listas de coleções de quadrinhos para venda ou troca[6].

Para muitos editores e leitores há, na verdade, muita divergência na definição do que é fanzine, embora, de forma intuitiva, todos saibam que estão fazendo ou lendo um produto diferente de uma revista comercial. Como afirma o quadrinhista Joacy Jamys, não importa o conteúdo apresentado, a forma de impressão ou a qualidade profissional, o fanzine não passa de uma re­vista marginal[7].

E é justamente a partir dessa concepção de marginalidade que alguns editores e leitores discutem o conceito de fanzine. Eles procuram encontrar um termo comum que caracterize o que é realmente um fanzine. A dúvida é se o fanzine tem uma identidade própria ou pode vir a ser qualquer revista alternativa ou independente.

Fanzine x revista alternativa

Com a disseminação do termo, há quem considere fanzine qualquer publicação alternativa ligada a arte. Para isto, basta que ela seja independente (editada fora do mercado), circule pelos correios ou de mão em mão e trate de assuntos de pouco interesse para a imprensa comercial.

Em Brusque, SC, Luis e Cláudia Bia editaram o tabloide alternativo Contracorrente, que em outros tempos seria classificado como jornal nanico, mas era mesmo chamado de fanzine. O certo é que Contracorrente tinha todas as características de um fanzine: veiculava essencialmente artigos, informações sobre rock, ecologia, quadrinhos, literatura, arte-postal e uma coluna de comentários sobre fanzines. Este é um caso típico de imprensa alternativa especializada, que proliferou no início da década de 1980, e que apresentava muitas características dos fanzines[8].

O termo fanzine foi assimilado pela música brasileira em 1989. Nesse ano, o grupo de rock Hanoi Hanoi jogou nas rádios seu protesto contra a sociedade massificada, numa apologia ao anarquismo, pregando que as palavras de rebeldia deviam ser impressas em “fanzines de papel xerox”. A música Fanzine, de A. Brandão e T. Paes, diz que um dia as palavras não vão mais deslizar pela boca, mas circular pelos fanzines, como a “nova onda, novo papo, novo abc”.

Outro exemplo da utilização do termo foi sua veiculação em letras garrafais como título da revista da casa noturna paulistana Madame Satã, em meados da década de 1980. Assim como os frequentadores da casa, a revista Fanzine, de excelente qualidade gráfica, representava a vanguarda dos costumes e da moda da sociedade local. Fanzine misturava ilustrações e artigos sobre música, quadrinhos e personalidades, tudo numa linguagem pretensiosa e arrogante.

A utilização do termo fanzine como título da revista não deixaria de soar estranho, assim como um jornal que se chamasse simplesmente Jornal, mas tinha o charme da novidade. Fanzine, da casa Madame Satã, serviu ao menos para a difusão desse termo entre um público alheio ao que se passava na imprensa subterrânea, ou alternativa.

O conceito de fanzine apresenta-se com­plexo no que toca a sua abrangência e limites. Assim como revista alternativa, ou de forma mais ampla, imprensa alternativa, gerou inúmeras definições a partir de diferentes pontos de vista, a mesma dificuldade encontra-se na definição de fanzine, já que não existe consenso nem mesmo entre os editores desse tipo de publicação.

É certo considerarmos fanzine como imprensa alternativa: sua produção é independente, sua linguagem discursiva e gráfica procura ser inovadora e apresenta conteúdo, quando não contestador, ao menos voltado para assuntos pouco abordados pela grande imprensa. O editor Worney Almeida de Souza afirma que “é nos fanzines que circulam as informações que os aficionados por quadrinhos, música, poesia, não encontram nas revistas, nos livros e nos jornais institucionalizados”[9].

Outros editores já consideram o fanzine como uma publicação independente, mas não alternativa. Ela seria independente do meio comercial, da imprensa empresarial voltada para o lucro, mas não seria uma alternativa a esta, porque não estaria lhe fazendo concorrência nas bancas de revistas.

O maior problema é definir fanzine como gênero ou categoria de publicação. O fanzine, por vezes, confunde-se com as revistas alternativas pelo modo de produção, pela forma de circulação e pela apresentação. Mas, diferencia-se destas pelo conteúdo.

O fanzine apresenta-se como um boletim, veículo em essência in­formativo, como órgão de fã-clubes ou de aficionados. Ou seja, a matéria prima do fanzine é a informação, na forma de artigo, entrevista, notícia ou matéria jornalística.

Na revista alternativa encontramos a produção artística propriamente dita: contos, poesias, ilustrações, quadrinhos etc. A partir dessa concepção, o fanzine é o veículo da notícia, dos comentários, da reflexão e a revista é o portfólio, que apresenta os novos artistas e veicula trabalhos que não encontram espaço nas publicações comerciais.

Para citar um exemplo relativo aos quadrinhos, nos anos 1970 tivemos o lançamento de várias publicações alternativas, como Balão e Capa, que veiculavam charges e quadrinhos sem apresentar quase nenhuma matéria textual. Para Worney de Souza, “a apresentação delas pode ser que pareça um fanzine, mas é uma revista alternativa. No caso dessas revistas, elas têm um encaixe histórico determinado. Naquele tempo, havia jovens desenhistas amadores ou semi-profissionalizados que não tinham es­paço para publicar, então a única alternativa era, através do centro acadêmico, imprimir o material que não conseguiam publicar nas grandes editoras. Eram revistas alternativas, onde existem muito poucos artigos falando sobre quadrinhos, ou quase nada. Na verdade, era uma forma de iniciarem a profissionalização”[10].

Alguns fanzines vão buscar na imprensa comercial a matéria-prima para sua edição. São o que poderíamos chamar de dossiês, uma vez que divulgam tudo o que já foi publicado, por exemplo, sobre determinado autor ou personagem de quadrinhos. Worney  reforça que “nestes casos, já não seriam nem fanzines, porque apenas se reproduz o que a grande imprensa fez, não se está produzindo nada, é um álbum de recortes… A forma é fanzine, mas o conteúdo não”[11].

Contudo, se a mera cópia do que já foi publicado pela grande imprensa descaracteriza o fanzine como veículo original, é por meio desse tipo de publicação que muitos leitores espalhados pelo país tomam conhecimento dessas informações. Nesse caso, o fanzine tem o papel de preservar a memória de fatos e opiniões publicados, numa espécie de dossiê que a grande imprensa não tem interesse em fazer.

Da mesma forma que há pontos de ligação entre a imprensa alternativa e a grande imprensa, encontramos pontos de convergência entre os fanzines e as re­vistas da imprensa comercial, ou mesmo entre os fanzines e as revistas alternativas. A discussão se resume na constatação de que tanto os fanzines apresentam elementos das revistas (produção artística) como as revistas trazem elementos dos fanzines (matérias jornalísticas). O conteúdo, o objetivo, a forma de produção e o espaço maior ou menor dado a esses elementos é que vão determinar o caráter da publicação.

Referências

Grilo n° 24. São Paulo: 21 de março de 1972.
http://en.wikipedia.org/wiki/Russ_Chauvenet, em 06/03/12.
JAMYS, Joacy. O que é mesmo um fanzine? In Legenda n° 14. São Luís: agosto 1987.
Maudito fanzine. In Animal n° 2. São Paulo: s/d.
NASCIMENTO, R. C. Afinal, o que é fanzine? In Singular/Plural n° 3. São Luís: outubro 1988.
Novas notícias no xerox. In Istoé. São Paulo: 16 de setembro de 1987.
SANTORO, Fábio. Panorama atual das publicações brasileiras independentes. In Jornal da Gibizada n° 14. Maceió: novembro/dezembro de 1986.
SGARBI, Armando. In O Pica-Pau, edição de fim de ano. Rio de Janeiro: dezembro 1984.
SOUZA, Worney Almeida de. Entrevista com Henrique MAGA­LHÃES. São Paulo, 10 de dezembro de 1987.


[1]. R. C. NASCIMENTO. Afinal, o que é fanzine? In Singular/Plural n° 3. São Luís: outubro 1988, p.12 e 13.
[2] . http://en.wikipedia.org/wiki/Russ_Chauvenet, em 06/03/12.
[3]. Novas notícias no xerox. In Istoé. São Paulo: 16 de setembro de 1987, p.42.
[4]. Fábio SANTORO. Panorama atual das publicações brasileiras independentes. In Jornal da Gibizada n° 14. Maceió: novembro/dezembro de 1986.
[5]. Armando SGARBI. In O Pica-Pau, edição de fim de ano. Rio de Janeiro: dezembro 1984, p. 4.
[6]. In Grilo n° 24. São Paulo: 21 de março de 1972.
[7]. Joacy JAMYS, … O que é mesmo um fanzine? In Legenda n° 14. São Luís: agosto 1987, p. 15.
[8]. Maudito fanzine. In Animal n° 2. São Paulo: s/d, p.34.
[9]. Worney Almeida de SOUZA. Entrevista com Henrique MAGA­LHÃES. São Paulo, 10 de dezembro de 1987.
[10]. Idem.
[11]. Idem.
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Sobre Henrique Magalhães

Jornalista, professor, editor e autor de História em Quadrinhos
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Uma resposta para Fanzine – Definição

  1. viviane hernandes disse:

    muito bom. tive que falar em uma pesquisa sobre isso e encontrei tudo aqui.

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